domingo, 31 de janeiro de 2010

V aniversário da JCM

A UJC através de nota felicitou os camaradas da Juventude Comunista do México pelo seu V aniversário.

A nota encontra-se publicada no site:

http://www.juventudcomunista.org/

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Haiti: eis o que é imperialismo e o que é subimperialismo

Está-se consumando a crônica anunciada e previsível da nova ocupação do Haiti pelos Estados Unidos, desta vez aproveitando o terremoto que devastou o país e sua capital. Os Estados Unidos já desembarcaram 11 mil militares no país. Ontem, com tropas armadas e uniformizadas para combate, transportadas em helicópteros de guerra, ocuparam o palácio presidencial em Porto Príncipe. O aeroporto, não esqueçamos, continua sendo controlado e operado pelos Estados Unidos, que hastearam sua bandeira no local e decidem que aviões podem pousar. Nos últimos dias, deram prioridade a suas aeronaves, principalmente militares, prejudicando o desembarque da ajuda enviada por outros países e por organizações não-governamentais. A prioridade foi a segurança, não a vida da população haitiana, principalmente pobre. O ministro francês da Cooperação, Alain Joyandet, chegou a protestar: "Precisamos ajudar o Haiti, não ocupá-lo." É verdade que, tendo cumprido o cronograma inicial de desembarque de suas tropas, os Estados Unidos poderão autorizar, nos próximos dias, o pouso de um número maior de aviões de outros países, com técnicos e equipamentos para remoção de destroços, médicos e remédios para atendimento dos feridos, água e alimentos para a população desabrigada e desempregada. A essa altura, porém, a possibilidade de encontrar pessoas soterradas com vida será mínima e excepcional. Sem que a mídia dê atenção a este aspecto, os Estados Unidos estão aumentando também o controle do porto que dá acesso à capital e de toda a área litorânea do Haiti, com um porta-aviões, um navio equipado com um hospital de campanha e vários navios da Guarda Costeira, visando a socorrer feridos, mas também a selecionar e controlar a aproximação de navios de ajuda de outros países, como o enviado pela Venezuela com combustível, e a impedir a emigração desesperada de haitianos para a costa estadunidense em pequenas embarcações. Não podendo justificar suas ações arrogantes e unilaterais com ordens das Nações Unidas, o governo de Washington tem argumentado que atua a pedido do governo haitiano. Mas que soberania pode ter um governo, como o do presidente René Préval, que não dispõe sequer de forças policiais e de equipamentos de comunicação e transporte para manter a ordem pública e organizar o salvamento de seus cidadãos? É significativo também que o plano de salvamento e reconstrução do Haiti pelos Estados Unidos tenha sido anunciado, em conjunto, pelo presidente Barack Obama e pelos ex-presidentes Clinton e Bush - o mesmo Bush que demorou tanto a agir quando o furacão Katrina destruiu uma grande área dos Estados Unidos. Quando os interesses estratégicos da superpotência estadunidense e de suas empresas transnacionais estão em jogo, prevalece como sempre o consenso bipartidário entre "democratas" e "republicanos" - aliás, uma confluência bipartidária semelhante se ensaia agora no Brasil com o PSDB e o PT, apesar das acirradas disputas nas fases de eleição. O jornalista Roberto Godoy, especializado em assuntos militares, escreve no "Estadão" de hoje: "Os Estados Unidos estão fazendo no Haiti o que sabem fazer melhor: ocupar, assumir, controlar. Decidida em Washington, a operação de suporte às vítimas da devastação, em quatro horas, tinha 2 mil militares mobilizados - e metade deles já seguia para Porto Príncipe - enquanto o resto do mundo apenas tomava conhecimento da tragédia. (...) É a Doutrina Powell, criada no fim dos anos 80 pelo então chefe do Estado-Maior Conjunto general Colin Powell, aplicada em tempo de paz. Ela prevê que os Estados Unidos não devem entrar em ação a não ser com superioridade arrasadora. (...) No sábado, oficiais americanos [seria mais correto escrever estadunidenses, porque americanos somos todos nós] estavam no comando do tráfego aéreo. Os paraquedistas da 82ª Divisão e os fuzileiros navais (...) são treinados para o combate e também para missões de resgate. Movimentam-se em helicópteros e veículos convertidos em ambulâncias leves. A retaguarda é poderosa. Um porta-aviões virou central logística e um navio-hospital de mil leitos chegou no domingo. Ontem, aviões dos Estados Unidos ocupavam 7 das 11 posições de parada remanescentes no aeroporto." A mídia do grande capital, exagerando os saques e os conflitos, cumpriu seu papel de preparar a opinião pública para aceitar a operação político-militar dos Estados Unidos como necessária e benevolente. Na realidade, os Estados Unidos têm contribuído para acirrar os conflitos ao atrasar a ajuda humanitária de outros países e utilizar aviões e helicópteros para despejar suprimentos aleatoriamente sobre uma população sedenta, faminta e desorganizada. Até mesmo o general brasileiro Floriano Peixoto, comandante da Minustah (Missão de Estabilização das Nações Unidas), ponderou em videoconferência que os casos mais graves de violência não são generalizados e disse que as ruas de Porto Príncipe estão desobstruídas, o que facilita a ação das forças de segurança. Na avaliação do general, a situação se mostra menos grave do que a versão difundida pela imprensa. Além disso, quem tem experiência política e já participou da resistência a regimes entreguistas e autoritários não pode deixar de receber com ceticismo a qualificação fácil e indiferenciada, difundida pela mídia, de que todos os presos que escaparam dos presídios destruídos pelo terremoto são criminosos comuns e integrantes de "gangues de bandidos". Muitos oficiais e soldados do antigo Exército haitiano formaram milícias, que declararam seu apoio ao último presidente livremente eleito Jean-Bertrand Aristide, depois que ele foi deposto em 2004. Seqüestrado por tropas estadunidenses e levado à força para a África do Sul, bem longe do Haiti, o ex-presidente Aristide continua impedido de voltar ao país e seu partido foi proibido de participar das últimas eleições realizadas sob o controle da Minustah. Com as diferenças secundárias de motivação e de situação interna, o roteiro seguido pelos Estados Unidos no Haiti é, portanto, essencialmente, o mesmo adotado no Iraque ou no Afeganistão: primeiro, destroem-se os Estados nacionais que esbocem qualquer rebeldia, instalando a devastação econômica e social e o caos político; depois, utilizam-se essas circunstâncias deterioradas para justificar a construção de Estados satélites; por último, esses Estados satélites e corruptos se revelam incapazes de garantir a paz, resgatar a dignidade nacional e melhorar o padrão de vida da população (com as exceções de praxe das elites colaboracionistas), justificando que a ocupação estadunidense se prolongue indefinidamente. A crise aprofundada pela intervenção externa cria, enquanto isso, oportunidades de novos negócios lucrativos para os fabricantes de armas, as empresas de segurança e as grandes construtoras dos Estados Unidos e de seus aliados. Para dissipar dúvidas sobre as reais intenções da intervenção "emergencial" e "humanitária" dos Estados Unidos no Haiti, o diplomata Greg Adams, enviado ao país caribenho como porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, declarou ao "Estadão" em Porto Príncipe: "É muito cedo para estabelecer prazos [para a retirada das tropas estadunidenses] e ficaremos aqui o tempo que for necessário [lembremo-nos de declarações semelhantes tornadas públicas no início da ocupação do Iraque]. Havia tropas estrangeiras no Haiti antes do terremoto [ah, é?]. Com a tragédia, além de todos os outros problemas, não vejo uma data-limite no futuro próximo para falarmos aos haitianos 'ok, agora é com vocês'. Ficaremos aqui por um bom tempo e acho que o Brasil também." A referência à ação coadjuvante e subordinada do Brasil foi bem esperta. Que autoridade moral pode ter o governo brasileiro de protestar contra a ação estadunidense se tem participado da intervenção política e militar nos assuntos internos do Haiti, ainda que com a chancela formal das Nações Unidas, chancela já utilizada ao longo da historia da entidade para encobrir tantas outras intervenções? Participando das operações de segurança - ou seja, em bom português, de repressão - com o beneplácito e em benefício dos Estados Unidos, o Brasil espera ganhar o prêmio de consolação de tomar parte nos negócios de reconstrução do país. Aliás, grandes construtoras brasileiras, como a OAS e a Odebrecht, já enviaram equipes técnicas e equipamentos pesados para o Haiti, posicionando-se para a disputa que virá. Quem afirma que não existe mais imperialismo no século XXI ou põe em dúvida o conceito de subimperialismo, utilizado para caracterizar a política externa atual do Brasil, principalmente na América Latina e no Caribe, tem assim a oportunidade de aprender, em cores e on line, o conteúdo concreto desses conceitos e dessas práticas. Abrindo bem os olhos, os patriotas e democratas brasileiros têm o dever de exigir que o Brasil renuncie ao comando militar da Minustah, retire progressivamente suas tropas do Haiti e se limite às ações de cunho efetivamente humanitário. O Haiti não precisa só de ajuda, precisa de soberania. Que os Estados Unidos realizem seu plano de intervenção e de construção de um Estado satélite no Haiti com seus próprios recursos humanos e materiais e sob sua exclusiva responsabilidade. Assim, pelo menos, a situação ficará mais clara e se tornará mais fácil mobilizar as forças antiimperialistas e democráticas no Haiti e nos demais países da América Latina e do Caribe. Não percamos de vista que um império em declínio, na desesperada tentativa de reverter o curso histórico que o debilita, pode tornar-se mais perigoso e aventureiro do que um império em ascensão e paciente. Estou fechando este parêntese sobre a tragédia haitiana, porque já está claro que não se trata apenas de uma tragédia natural e humanitária, mas sobretudo política e militar. Recentemente, um terremoto devastou uma grande região da China, deixando 87 mil mortos, segundo as estimativas oficiais. Porque havia e há na China, apesar de sua pobreza ainda grande, um Estado soberano e ativo, foi possível lidar com as conseqüências da tragédia sem permitir a intervenção estrangeira no comando das operações de socorro e reconstrução ou o desembarque de tropas de outros países. A grande tragédia do Haiti foi a destruição progressiva de seu Estado nas últimas décadas, com a dissolução de suas forças armadas e policiais, a precarização de seus serviços públicos e a desorganização e divisão de sua população.
20/01/2010

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Fora as Tropas do Haiti!

Entrevista com Henry Boisrolin, do Comité Democrático Haitiano Povo do Haiti resiste à ocupação. 

Carlos Aznárez

Com o mais baixo rendimento per capita do mundo, o Haiti, invadido pelos EUA, é hoje um país ocupado sob comando militar do Brasil por cedência de Lula ao imperialismo norte-americano.
Fora da agenda da central de desinformação mediática, o Haiti resiste, como se pode ver nesta entrevista com Henry Boirolin, do Comité Haitiano do Povo do Haiti.


Carlos Aznárez* 12.01.10


Em entrevista ao Resumen Latinoamericano, o dirigente do Comitê Democrático Haitiano, Henry Boisrolin, denuncia a ocupação militar que seu país sofre na atualidade, situação da qual são cúmplices vários países da América Latina.


Carlos Aznarez (CA): - Qual é a situação do Haiti na atualidade?
Henry Boisrolin (HB): - O Haiti se encontra sob ocupação, mas a grande imprensa internacional apresenta este fato como se fosse “ajuda humanitária”. Inclusive, o nome da missão da ONU diz que é “para a estabilização do Haiti”. Há uma combinação de 40 países integrantes desta Missão e desgraçadamente temos tropas latino-americanas dentro do país. Como se sabe, o comando militar encontra-se sob a liderança do Brasil. Isto é algo que nós rejeitamos, porque entendemos que é uma violação à nossa soberania e dignidade como povo.

A resistência provém de distintos setores da população, mas ultimamente são estudantes universitários, aos quais se somam alguns do ensino médio, que ganharam as ruas para exigir a retirada das tropas e a promulgação de uma lei sobre o salário mínimo votada pelo Parlamento. O que ocorre é que o governo de Preval não o aceita, sob o pretexto de que se o Haiti já tem 70% de sua população ativa desempregada, promulgar uma lei que signifique aumentar de 1,70 dólares para 4 ou 5 dólares o salário mínimo por dia, “vai provocar uma avalanche de demissões e agravará ainda mais a situação dos trabalhadores”. Para os estudantes, esta resposta é uma nova falácia do governo, e propuseram ações de resistência, ocupando várias Faculdades.

CA: - Como reagiu o governo de Preval?
HB: - Reprimindo os estudantes. Houve várias mortes, dezenas de detidos, professores perseguidos, lançaram bombas de gás lacrimogêneo e balas de chumbo nos manifestantes. A Missão das Nações Unidas foi acompanhar a polícia haitiana em toda esta tarefa repressiva. Isso é o que queremos denunciar e ao mesmo tempo pedir solidariedade para que os governos latino-americanos entendam que essa não é a via, que o Haiti não precisa de tropas militares. O que nós precisamos é o tipo de ajuda que dão Cuba e Venezuela, esse é o modelo válido de apoio, de humanidade, de respeito à nossa independência e soberania.

CA: - Vamos nos deter neste último tema. As tropas das Nações Unidas dizem que eles vão para cumprir tarefas humanitárias. Pelo menos é isso que dizem as chancelarias dos países que estão implicados nesta manobra, como a Argentina, Uruguai, Brasil e outros. Inclusive, alguns partidos progressistas se encarregaram de explicar que “era melhor que viessem as tropas latino-americanas do que o Haiti permanecer invadido pelos Estados Unidos”. O que opina dessas colocações?
HB: - Antes de mais nada, é preciso desmentir algo: não houve nenhuma autoridade legítima do meu país que tenha pedido tal intervenção, isso é uma mentira. Em 2004, ano do Bicentenário de nossa independência, havia um presidente legítimo que era Jean-Bertrand Aristide. Havia distúrbios no país, e com essa desculpa veio um comando militar norte-americano que o seqüestrou. Puseram-no num avião e o mandaram ao exílio na República Centro-Africana. Agora esta na África do Sul. Algo muito parecido ao que fizeram agora com o presidente Zelaya. Não são casos isolados e deixam precedentes que ameaçam a segurança e a democracia no resto dos países latino-americanos.

Assim é a história, ninguém pediu tal intervenção. Eles impuseram um governo de fato que organizou as eleições e aí Preval ganhou, legitimando o golpe, igual à tentativa atual em Honduras. Sim, é verdade que o presidente Preval, que ganhou as eleições, solicitou a manutenção da Missão da Minustah, mas originalmente não houve nenhuma autoridade haitiana que tenha pedido isso. Haveria que ir ao Haiti e andar pelas ruas de seus bairros mais populares para compreender a rejeição do povo à presença das tropas de ocupação.

CA: - Como agem essas tropas invasoras?
HB: - O acionar das tropas das nações Unidas é algo que indigna qualquer ser humano com um pouquinho de sensibilidade. Em um país onde 70% de sua população ativa não tem trabalho, onde temos uma taxa de mortalidade infantil superior a 80 por mil e uma taxa de analfabetismo no campo, que supera 70% e nas cidades 50%, ou onde se tem uma expectativa de vida que não supera os 50 anos. Estamos falando de um país com suas estruturas econômicas destruídas, onde 60% do orçamento haitiano provém da ajuda internacional e das remessas que enviam os haitianos que trabalham fora. Por tudo isso, dizer que tem que ir com tanques, aviões e helicópteros para resolver isso, é totalmente falso e cruel.

O que fizeram estes “salvadores”? Estupraram as meninas e mulheres haitianas, bateram e torturaram nossos jovens. Não somos nós que dizemos isso, foi uma investigação da própria ONU que confirmou esses fatos, e a única coisa que foi feita, foi pegar alguns soldados e mandá-los para casa, porque segundo o Convênio da Resolução 545, que permitiu a entrada das tropas no dia 1º de junho de 2004, o Haiti não tem direito de julgar nenhum militar estrangeiro, por mais que tenha cometido crimes de lesa-humanidade. Mais submissão que isso não pode existir.

CA: - Ou seja, violações de direitos humanos realizados dentro de uma “legalidade” imposta, que garante mais impunidade...
HB: - Exato. Mas há outro tema que quero abordar e que às vezes fica postergado porque nos aprofundamos mais em estudar a realidade política ou econômica de um país. Refiro-me à dignidade humana, o valor da relação e os sentimentos humanos, o contato entre os povos. Ou seja, uma história em comum. O Haiti, depois de se tornar independente, foi muito solidário com muitos povos latino-americanos. Ajudou Miranda, Bolívar, em duas oportunidades, com fuzis, com dinheiro e outras coisas, mas fundamentalmente com voluntários. Centenas de haitianos morreram pela independência da Venezuela e de outros países. Por isso dizemos que receber este tratamento atual é uma afronta à história. Nosso povo não cometeu nenhum crime, salvo pedir maior justiça. E sofremos um comportamento mercenário, porque muitos destes invasores vêm pelo dinheiro pago, ganham milhares de dólares sem gastar absolutamente nada. Em seis ou sete meses que estão no Haiti, voltam a seus respectivos países com uma boa quantidade de dinheiro em mãos, coisa que não podem ter em seus lugares de origem.

Então, aproveitando uma situação de debilidade, de falta de capacidade do movimento popular haitiano para reverter esta situação, vêm e te avassalam.

Tem que ver, por exemplo, em Porto Príncipe, em alguns dos bairros mais calmos, como durante a noite (porque não há praticamente vida noturna no Haiti, não há luz, nem serviços que se possam encontrar em outros países) se vê um contínuo desfile de carros das nações Unidas, em frente aos melhores bares e restaurantes, gastando muitos dólares, e lá fora o povo dormindo nas ruas.

CA: - É realmente ofensivo e indignante...
HB: - Isto pede uma reflexão, porque escutamos alguns governos, quando passam furações ou sucedem outros acontecimentos climáticos, dizer que as tropas estão ali precisamente para nos ajudar em maus momentos. Mas isso não é o determinante, nem nada disso. A ocupação do Haiti é um novo esquema para dobrar a rebelião popular num país onde as classes dominantes não têm possibilidade alguma de ganhar as eleições de forma limpa. Então, é preciso impor, pela força das armas uma estratégia de dominação. Esse é o verdadeiro papel dos ocupantes. E para os que dizem que “melhor essas tropas do que as dos Estados Unidos”, nós dizemos que é justamente o contrário. De outra forma teríamos tido o inimigo de frente, de maneira mais clara. Em vez disso, ver irmãos latino-americanos enviados por governos que teriam que apresentar outro tipo de comportamento diante do drama haitiano, é muito duro. Eu estive em bairros populares muito castigados por estas tropas e escutei o que diz o coração dessa gente. A indignação com que contam como bombardeiam durante a madrugada para capturar supostos bandidos destes bairros. Ou quando soldados entram aos montes e chutam as portas, arrastando para fora aterrorizados moradores. Por isso, não há lugar para mais mentiras: trata-se de uma ocupação clara da República do Haiti, e à medida que esta situação segue, haverá mais resistência.


* Carlos Aznarez, jornalista argentino é director de Resumen Latinoamericano


domingo, 3 de janeiro de 2010

Viva os 51 anos da Revolução Cubana!

51 anos de Revolução Cubana: socialismo é humanidade!




*Base do PCB em Cuba



O primeiro dia de cada novo ano é muito mais que o reveillon para um rebelde povo. Foi num dia como este, há 51 anos, que o heróico povo cubano livrou-se definitivamente das garras da grande águia do norte e iniciou seu próprio caminho de soberania, liberdade e justiça. O triunfo da revolução cubana é o culminar de quase 100 anos de incansáveis batalhas e sacrifícios das massas e seus verdadeiros heróis.



A cada novo ano de resistência socialista, o processo cubano nos enche de esperança revolucionária, com inquestionável exemplo de que os povos oprimidos do mundo podem escolher um caminho alternativo ao domínio imperialista e à exploração do capitalismo. Essa esperança torna-se ainda mais concreta se buscamos compreender a história deste processo, real e presente, que se forjou em um movimento de gerações revolucionárias. Façamos assim, um breve resgate histórico, que além de uma singela homenagem ao povo cubano é também um legado para o nosso próprio caminho revolucionário.



Recordemos que Cuba constituiu-se como colônia espanhola no século XVI e, desde então, sua economia foi baseada no trabalho do escravo negro e na produção açucareira. A partir de meados do século XIX acentuaram-se as contradições entre a metrópole e as elites crioulas locais, em virtude das crises econômicas mundiais de 1857 e 1866, da baixa nos preços do açúcar e da decadência do império espanhol. Tais contradições culminaram nas guerras de libertação nacional: a “Guerra dos 10 anos” (1868-1878), liderada por Carlos Manuel de Céspedes, e a Guerra de Independência (1895-1898), na qual surge o líder José Martí, um homem muito à frente de sua época, cujas idéias patriotas e humanistas, somadas a sua exemplar prática como revolucionário, o consagraram herói nacional de Cuba. Desde a guerra de independência Martí já alertava o perigo que vinha da América do Norte, em um chamado ao povo cubano pela sua real libertação.



Durante esse processo, o incipiente movimento das massas de trabalhadores, ainda com precárias formas de organização e politicamente pouco ativas, não pode fazer contraponto à força das classes senhoriais. Os chamados criollos não conduziram as lutas de libertação do domínio espanhol para uma revolução política contra ordem existente, temendo que o controle político militar do movimento se deslocasse para os grupos sociais identificados com a pressão popular por revolução democrática. Assim, as forças do movimento de libertação nacional foram canalizadas para uma “revolução dentro da ordem” que, assegurando a permanência das oligarquias, estabeleceu entre elas e os EUA um pacto que permitiu ir até o fundo a “modernização da colonização indireta”, através da incorporação financeira e comercial de Cuba aos EUA. Em 10 de dezembro de 1898, com a assinatura do Tratado de Paris entre EUA e Espanha, Cuba deixou de ser colônia espanhola para estar subordinada ao imperialismo ianque. Em 1o de janeiro de 1899 foi oficializada a ocupação militar estadunidense em Cuba. No ano de 1901, a Emenda Platt foi adicionada à Constituição cubana, permitindo a intervenção estadunidense em caso de segurança nacional. Foi através de tal emenda, que os EUA criaram a base militar de Guantanamo, existente até hoje, mesmo com a abolição da Emenda Platt em 1934. Dessa maneira a burguesia internacional fincou suas garras em Cuba, realizando em 1902 a expropriação de terras dos camponeses por empresas como American Tobacco Company, Cuban American Sugar e a United Fruit Company.



O despertar cubano, ainda que sob a frustração do sonho patriótico, serviu como experiência para as lutas que se travariam nas décadas seguintes, sendo agora o crescente imperialismo dos EUA o principal inimigo, assim como já deixava claro José Martí.



No inicio do século XX se organiza o movimento operário em Cuba, bem como o movimento estudantil, influenciados pelas conquistas da Revolução de Outubro, a Revolução Mexicana, e as reformas universitárias ocorridas em diversos países da América (como Argentina, Chile e Peru). São constantes greves obreiras e estudantis no país. Em 1904, Carlos Baliño (que fundou junto com Marti o Partido Revolucionário Cubano), fundou o Partido Socialista Obreiro, que se converteu em Partido Socialista de Cuba. Em 1923 foi fundada a Federação Estudantil Universitária, por Julio Antonio Mella, que em 1925, junto a Baliño, fundou o Partido Socialista Popular (equivalente ao primeiro Partido Comunista de Cuba). Em 1939 foi fundada a Confederação de Trabalhadores Cubanos.



A necessidade da luta antiimperialista volta com vigor no processo revolucionário iniciado em 1933, desencadeado pelos efeitos da crise do capital de 1929. A organização dos movimentos de massa, especialmente do movimento operário e estudantil, culminou com a derrocada do ditador Geraldo Machado e a instituição do chamado “Governo dos 100 dias” que foi duramente reprimido pelas forças Ianques. Tal movimento evidenciou o papel contra revolucionário da burguesia nacional e dos latifundiários, dependentes e associados aos interesses do Império.



No contexto pós II Guerra Mundial acirraram-se as contradições e a miséria no país, configurando marcadamente fortes condições objetivas para a retomada do processo revolucionário. Diante do crescimento do movimento de massas e da possibilidade de uma vitória eleitoral do partido ortodoxo (com ideais patrióticos e democráticos), em 1952 Fulgencio Batista aplicou um golpe de Estado, novamente com amplo apoio das forças militares do norte.



As massas populares se opuseram à ditadura e sua atividade cresceu na mesma proporção ao agravamento da situação do país. O movimento operário foi ilegalizado, sendo a luta contra a ditadura organizada dentro dos sindicatos clandestinos, com orientação do Partido Socialista Popular.



Nesse processo desempenhou um papel determinante a vanguarda revolucionária que dirigiria as atividades das massas no sentido de terminar as tarefas iniciadas nas lutas contra o colonialismo espanhol e nos combates da geração de 1930. Fidel e Raúl Castro, Melba Hernandez, Haydeé e Abel Santamaría, junto a outros 117 jovens mártires, organizaram os corajosos ataques ao Quartel Moncada e ao Quartel Carlos Manuel de Céspedes, inaugurando uma nova fase na luta revolucionária cubana, em que a guerra civil oculta passava a ser aberta e a luta armada a forma fundamental de enfrentamento ao regime.



O ataque ao quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, teria como objetivo obter armas, dar a conhecer o movimento revolucionário que surgia e incorporar as grandes massas populares. O fracasso militar do assalto levou os revolucionários sobreviventes à prisão e à organização do Movimento 26 de Julho (M-26-7). Na cadeia, os revolucionários trataram de preparar-se teoricamente, ao mesmo tempo em que conduziam a organização e fortalecimento do movimento através da campanha de anistia. É neste contexto que Fidel escreve sua magistral defesa que anunciava os princípios norteadores da revolução cubana: “A historia me absolverá”.



Após sua saída da prisão, em 1955 os revolucionários são perseguidos e ameaçados. Fidel se exila no México e desde aí busca nos exilados cubanos o financiamento para o preparo militar do M-26-7, que seguiu se articulando e crescendo na ilha, com grande inserção no meio estudantil e operário. No México, Fidel conhece Ernesto Guevara, que passa a ser conhecido como Che. Em 2 de dezembro de 1956, desembarcam 82 revolucionários em Cuba, depois de uma longa viagem desde o México a bordo do Iate Granma, entre eles Fidel, Raúl y Che. Esses, apoiados pelo forte movimento construído em solo cubano, iniciam o braço armado guerrilheiro na Sierra Maestra.



O M-26-7 unificou os combatentes do Diretório Revolucionário 13 de março, de José Antonio Echeverría, e o Partido Socialista Popular, de Blas Roca, em torno da estratégia revolucionária de libertação nacional, cuja luta antiimperialista constituiu um elemento central. O objetivo foi buscar, através da revolução nacional, a instauração da democracia, da soberania popular e um desenvolvimento independente. Palavras de ordem que de início serviam tanto ao proletariado como a setores da burguesia nacional, mas que forjaram as bases para um direcionamento socialista da revolução à medida que a organização das classes oprimidas ganhou espaço. Da unidade entre o M-26-7, o Diretório Revolucionário e o PSP surgiu o equivalente social e político do partido revolucionário, que abriu o caminho para a revolução das massas exploradas.



Com o triunfo da revolução em 1o de janeiro de 1959 os representantes das oligarquias e o imperialismo foram varridos do governo revolucionário recém instaurado. A radicalização do processo revolucionário cubano significou não apenas a criação do primeiro Estado socialista da América Latina, mas também a esperança e o exemplo dos povos oprimidos deste continente.



O dia 1o de janeiro foi apenas o inicio das vitórias contra o imperialismo e exploração do povo cubano. Neste mesmo ano, o governo revolucionário iniciou a nacionalização de empresas pertencentes ao grande capital internacional, entre estas 36 indústrias açucareiras, que dominavam 40% da produção de açúcar do país. Realizou-se também a primeira Reforma Agrária, que distribuiu 50% das terras cubanas a cerca de 600 mil famílias. Nacionalizaram-se a saúde e a educação. Em 22 de dezembro de 1961, graças ao trabalho de mais de 100 mil jovens, professores e trabalhadores, Cuba se tornou o primeiro país da América livre de analfabetismo. Nesse mesmo ano Fidel Castro profere seu inesquecível discurso declarando a Revolução Cubana de caráter socialista. Do triunfo revolucionário aos dias atuais



A medida que avançavam as conquistas do heróico povo cubano, crescia também a contra-ofensiva do império. Ainda em 1961 a CIA financia e organiza o ataque de 1200 mercenários a Playa Girón, derrotados pelo povo combatente. Foi então que para organizar o povo cubano e defender suas conquistas foram criados os Comitês de Defesa da Revolução – CDR, possibilitando a construção do socialismo e da democracia popular em cada bairro. Depois desse, vieram muitos outros ataques, como a explosão de uma avião em 1976 que matou 73 pessoas, cujo autor, Juan Posadas Carrilles, segue livre sob proteção ianque.



Além dos ataques terroristas, em 1962 EUA expulsam Cuba da Organização dos Estados Americanos, OEA, e declara o bloqueio econômico à Ilha, buscando impedir que outros países comercializem ou desenvolvam qualquer tipo de relação com este país. Com o bloqueio genocida, Cuba estreita suas relações com a União Soviética, através de acordos comerciais, militares e de solidariedade. Também nesse período, em 1965, concluiu-se o processo de unificação dos grupos revolucionários em um único partido. Dessa forma se constituiu o Partido Comunista de Cuba, de caráter marxista-leninista, com Fidel Castro como Secretário Geral.



Os feitos da revolução cubana seguiram impressionando nos anos seguintes. Em poucos anos Cuba desenvolve-se como potência científica em diversas áreas, como a medicina e a farmacologia. Torna-se o país com maior expectativa de vida e menor mortalidade infantil das Américas, números comparáveis aos mais desenvolvidos países europeus. Desenvolve-se no âmbito dos esportes e cultural, sendo, por exemplo, o país de todo mundo com o maior percentual de escritores per capita, mostra do nível intelectual alcançado pelo povo durante o socialismo. Nas artes plásticas, na dança, na música, no cinema e no teatro a revolução deixou também sua marca: um povo culto é um povo livre, parafraseando José Martí.



O socialismo cubano também não acabou em si mesmo. Os cubanos deixaram marcas de emancipação em diversos países. Na África, para exemplificar, contribuíram com os esforços para a libertação nacional de várias nações, como Angola, Etiópia, Congo e Moçambique, sendo sua participação fundamental para o fim do regime Apartheid na África do Sul.



Na década de 80, os acordos com o campo socialista passaram a responder por 85% do intercâmbio de mercadorias realizado por Cuba. Na década de 90, com a desintegração da URSS e do socialismo no leste europeu, teve inicio uma das épocas mais difíceis da história do aguerrido povo cubano: o período especial.



No primeiro ano após a dissolução do campo socialista do leste europeu e da União Soviética, o produto interno bruto decaiu 33%. A questão energética foi uma das mais prejudicadas, colapsando o transporte. Um exemplo do caos gerado foram as muitas safras de alimentos que apodreceram no campo, já que sem combustível para o transporte não podiam ser deslocadas às cidades. Faltavam alimentos, remédios e outros produtos essenciais. Nesse contexto, o cruel bloqueio imperialista tornou-se ainda mais perverso.



Mesmo com tamanhas dificuldades, em pleno período especial, o povo cubano ratifica sua vontade de seguir construindo o socialismo em plebiscito nacional, com mais de 90% dos votos e uma participação de quase 100% da população. Talvez, por tão heróica resistência e convicção do rumo escolhido, que Fidel considera o Período Especial “o mais glorioso dos 50 anos da Revolução Cubana”. Nessa etapa as idéias criativas para superar as dificuldades foram muitas, como o desenvolvimento de um efetivo programa de agricultura urbana, referência mundial, que hoje emprega cerca de 400 mil cubanos e produz alimentos para milhões.



Em contraponto, o período especial gerou também uma série de novas contradições cujas soluções tornaram-se, atualmente, os principais desafios para o avanço do socialismo em Cuba. Para reverter o processo de carência e dependência econômica criaram-se diversas empresas mistas (parcerias entre o Estado - sócio majoritário – e empresas capitalistas), com a finalidade de aumentar e diversificar a produção agrícola e industrial. Para incrementar a arrecadação do Estado, Cuba foi obrigada a abrir-se ao predatório turismo internacional.



Com tais medidas, Cuba pôde evitar a ofensiva da contra-revolução capitalista e manter as mais importantes conquistas da revolução. No entanto, este longo período de dificuldades materiais foi bastante marcante na determinação da consciência social. Um grande contingente de cubanos deixou o país durante os anos do período especial, e problemas como a prostituição, o mercado negro e a corrupção, tornaram-se presentes. As desigualdades internas foram intensificadas, especialmente quanto à valoração do trabalho: um trabalhador do turismo, um taxista particular, alguém que recebe dinheiro de um familiar no exterior ou que aluga um quarto para estrangeiros têm maiores possibilidades de consumo que um exemplar operário, um médico ou um reconhecido professor universitário.



Essas contradições têm sido os maiores desafios do Estado cubano, do Partido Comunista e das organizações de massa do povo. A fim de avançar na superação delas, o governo revolucionário tem proposto à população uma série de reformas - cabe ressaltar que elas têm um caráter absolutamente distinto das contra-reformas que vem sendo aplicadas no Brasil. Uma delas trata da legislação trabalhista e objetiva aumentar a produtividade industrial e a agilidade dos serviços, por meio de incentivos materiais aos trabalhadores mais dedicados e comprometidos com a revolução. Tal medida vem no sentido de reafirmar o principio socialista de “receber de acordo com seu próprio trabalho e esforço”, rumando assim no sentido de diminuir a burocratização dos serviços e a corrupção, que estagnam a produção. Outra importante medida adotada recentemente é a distribuição das terras ociosas do Estado aos pequenos agricultores e a garantia de condições para produzir, com o objetivo de aproximar Cuba da soberania alimentar.



Mesmo com tantas dificuldades, Cuba segue sendo vanguarda no que se refere à solidariedade internacional. Atualmente estudam em Cuba cerca de 50 mil estrangeiros, dos mais diversos cursos universitárias, sendo a maioria medicina. Além disso, são bastante conhecidas as missões cubanas de solidariedade na área de saúde e educação, hoje presentes em mais de 70 países, em especial nos que estão em guerra ou que sofrem de catástrofes naturais. Somente na Venezuela são mais de 35 mil cubanos, entre médicos, profissionais da saúde e educadores. Outro relevante exemplo do internacionalismo do socialismo cubano é o projeto Escola Latino Americana de Medicina - ELAM, idealizado pelo Comandante Fidel Castro em um momento em que toda a América Central havia sido assolada por três furacões. Este ano o projeto comemorou 10 anos de existência, com uma grande quantidade de médicos atuando em toda a América Latina, incluindo, por exemplo, a fundação de hospitais populares. Atualmente, cerca de mil brasileiros estudam em Cuba.



Ainda assim os ataques imperialistas não cessam. O assassino bloqueio segue vigente, mesmo com as sucessivas votações contrárias nas assembléias da ONU, em que apenas 3 nações do mundo se mantêm favoráveis a sua continuidade. Os prejuízos para Cuba são incalculáveis: em apenas 8 horas de bloqueio o governo cubano poderia reparar cerca de 40 creches ou em 1 dia comprar 139 ônibus de transporte urbano. O caso dos cinco heróis cubanos é outro exemplo da desumanidade que impõe o monstro do norte - como definia Simon Bolívar – presos por lutar contra o terrorismo dos EUA.



Muitos insistem em deturpar o caminho escolhido pelo povo cubano, mas os fatos não escondem a verdade: em 51 anos o socialismo humanizou a sociedade cubana. Cuba é o único país das Américas em que a violência, tão crescente no Brasil, é insignificante. Havana, uma capital com quase 3 milhões de habitantes, é tão tranqüila quanto uma pacata cidade do interior, em que assassinatos e seqüestros ficam restritos aos romances policiais. Cuba é um país que trabalha cotidianamente para superar a desigualdade de direitos entre os gêneros, para superar o racismo, a discriminação e tantas formas de opressão, tão enraizadas em nossas sociedades. Outros não cansam de afirmar que a Revolução Cubana é coisa do passado e que o socialismo morreu junto com a URSS. Para esses respondemos que não somente é presente o socialismo em Cuba, mas que vem fortalecendo seus princípios e ideais à medida que avançam os processos revolucionários na América Latina. Em contrapartida, processos como o venezuelano e o boliviano, sem a Revolução Cubana provavelmente não existiriam e o caminho da barbárie a que conduz o capitalismo aparentaria ser a única via para a humanidade. Cuba e o socialismo nos permitem seguir sonhando com a utopia de um mundo humano, no mesmo sentido em que dedicaram suas vidas tantos mártires nesses 51 anos de revolução. Por eles e pelas gerações futuras o povo cubano jamais abandonará as trincheiras conquistadas.


*Base do PCB em Cuba.


La Habana, 31 de dezembro de 2009.