quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Fora as Tropas do Haiti!

Entrevista com Henry Boisrolin, do Comité Democrático Haitiano Povo do Haiti resiste à ocupação. 

Carlos Aznárez

Com o mais baixo rendimento per capita do mundo, o Haiti, invadido pelos EUA, é hoje um país ocupado sob comando militar do Brasil por cedência de Lula ao imperialismo norte-americano.
Fora da agenda da central de desinformação mediática, o Haiti resiste, como se pode ver nesta entrevista com Henry Boirolin, do Comité Haitiano do Povo do Haiti.


Carlos Aznárez* 12.01.10


Em entrevista ao Resumen Latinoamericano, o dirigente do Comitê Democrático Haitiano, Henry Boisrolin, denuncia a ocupação militar que seu país sofre na atualidade, situação da qual são cúmplices vários países da América Latina.


Carlos Aznarez (CA): - Qual é a situação do Haiti na atualidade?
Henry Boisrolin (HB): - O Haiti se encontra sob ocupação, mas a grande imprensa internacional apresenta este fato como se fosse “ajuda humanitária”. Inclusive, o nome da missão da ONU diz que é “para a estabilização do Haiti”. Há uma combinação de 40 países integrantes desta Missão e desgraçadamente temos tropas latino-americanas dentro do país. Como se sabe, o comando militar encontra-se sob a liderança do Brasil. Isto é algo que nós rejeitamos, porque entendemos que é uma violação à nossa soberania e dignidade como povo.

A resistência provém de distintos setores da população, mas ultimamente são estudantes universitários, aos quais se somam alguns do ensino médio, que ganharam as ruas para exigir a retirada das tropas e a promulgação de uma lei sobre o salário mínimo votada pelo Parlamento. O que ocorre é que o governo de Preval não o aceita, sob o pretexto de que se o Haiti já tem 70% de sua população ativa desempregada, promulgar uma lei que signifique aumentar de 1,70 dólares para 4 ou 5 dólares o salário mínimo por dia, “vai provocar uma avalanche de demissões e agravará ainda mais a situação dos trabalhadores”. Para os estudantes, esta resposta é uma nova falácia do governo, e propuseram ações de resistência, ocupando várias Faculdades.

CA: - Como reagiu o governo de Preval?
HB: - Reprimindo os estudantes. Houve várias mortes, dezenas de detidos, professores perseguidos, lançaram bombas de gás lacrimogêneo e balas de chumbo nos manifestantes. A Missão das Nações Unidas foi acompanhar a polícia haitiana em toda esta tarefa repressiva. Isso é o que queremos denunciar e ao mesmo tempo pedir solidariedade para que os governos latino-americanos entendam que essa não é a via, que o Haiti não precisa de tropas militares. O que nós precisamos é o tipo de ajuda que dão Cuba e Venezuela, esse é o modelo válido de apoio, de humanidade, de respeito à nossa independência e soberania.

CA: - Vamos nos deter neste último tema. As tropas das Nações Unidas dizem que eles vão para cumprir tarefas humanitárias. Pelo menos é isso que dizem as chancelarias dos países que estão implicados nesta manobra, como a Argentina, Uruguai, Brasil e outros. Inclusive, alguns partidos progressistas se encarregaram de explicar que “era melhor que viessem as tropas latino-americanas do que o Haiti permanecer invadido pelos Estados Unidos”. O que opina dessas colocações?
HB: - Antes de mais nada, é preciso desmentir algo: não houve nenhuma autoridade legítima do meu país que tenha pedido tal intervenção, isso é uma mentira. Em 2004, ano do Bicentenário de nossa independência, havia um presidente legítimo que era Jean-Bertrand Aristide. Havia distúrbios no país, e com essa desculpa veio um comando militar norte-americano que o seqüestrou. Puseram-no num avião e o mandaram ao exílio na República Centro-Africana. Agora esta na África do Sul. Algo muito parecido ao que fizeram agora com o presidente Zelaya. Não são casos isolados e deixam precedentes que ameaçam a segurança e a democracia no resto dos países latino-americanos.

Assim é a história, ninguém pediu tal intervenção. Eles impuseram um governo de fato que organizou as eleições e aí Preval ganhou, legitimando o golpe, igual à tentativa atual em Honduras. Sim, é verdade que o presidente Preval, que ganhou as eleições, solicitou a manutenção da Missão da Minustah, mas originalmente não houve nenhuma autoridade haitiana que tenha pedido isso. Haveria que ir ao Haiti e andar pelas ruas de seus bairros mais populares para compreender a rejeição do povo à presença das tropas de ocupação.

CA: - Como agem essas tropas invasoras?
HB: - O acionar das tropas das nações Unidas é algo que indigna qualquer ser humano com um pouquinho de sensibilidade. Em um país onde 70% de sua população ativa não tem trabalho, onde temos uma taxa de mortalidade infantil superior a 80 por mil e uma taxa de analfabetismo no campo, que supera 70% e nas cidades 50%, ou onde se tem uma expectativa de vida que não supera os 50 anos. Estamos falando de um país com suas estruturas econômicas destruídas, onde 60% do orçamento haitiano provém da ajuda internacional e das remessas que enviam os haitianos que trabalham fora. Por tudo isso, dizer que tem que ir com tanques, aviões e helicópteros para resolver isso, é totalmente falso e cruel.

O que fizeram estes “salvadores”? Estupraram as meninas e mulheres haitianas, bateram e torturaram nossos jovens. Não somos nós que dizemos isso, foi uma investigação da própria ONU que confirmou esses fatos, e a única coisa que foi feita, foi pegar alguns soldados e mandá-los para casa, porque segundo o Convênio da Resolução 545, que permitiu a entrada das tropas no dia 1º de junho de 2004, o Haiti não tem direito de julgar nenhum militar estrangeiro, por mais que tenha cometido crimes de lesa-humanidade. Mais submissão que isso não pode existir.

CA: - Ou seja, violações de direitos humanos realizados dentro de uma “legalidade” imposta, que garante mais impunidade...
HB: - Exato. Mas há outro tema que quero abordar e que às vezes fica postergado porque nos aprofundamos mais em estudar a realidade política ou econômica de um país. Refiro-me à dignidade humana, o valor da relação e os sentimentos humanos, o contato entre os povos. Ou seja, uma história em comum. O Haiti, depois de se tornar independente, foi muito solidário com muitos povos latino-americanos. Ajudou Miranda, Bolívar, em duas oportunidades, com fuzis, com dinheiro e outras coisas, mas fundamentalmente com voluntários. Centenas de haitianos morreram pela independência da Venezuela e de outros países. Por isso dizemos que receber este tratamento atual é uma afronta à história. Nosso povo não cometeu nenhum crime, salvo pedir maior justiça. E sofremos um comportamento mercenário, porque muitos destes invasores vêm pelo dinheiro pago, ganham milhares de dólares sem gastar absolutamente nada. Em seis ou sete meses que estão no Haiti, voltam a seus respectivos países com uma boa quantidade de dinheiro em mãos, coisa que não podem ter em seus lugares de origem.

Então, aproveitando uma situação de debilidade, de falta de capacidade do movimento popular haitiano para reverter esta situação, vêm e te avassalam.

Tem que ver, por exemplo, em Porto Príncipe, em alguns dos bairros mais calmos, como durante a noite (porque não há praticamente vida noturna no Haiti, não há luz, nem serviços que se possam encontrar em outros países) se vê um contínuo desfile de carros das nações Unidas, em frente aos melhores bares e restaurantes, gastando muitos dólares, e lá fora o povo dormindo nas ruas.

CA: - É realmente ofensivo e indignante...
HB: - Isto pede uma reflexão, porque escutamos alguns governos, quando passam furações ou sucedem outros acontecimentos climáticos, dizer que as tropas estão ali precisamente para nos ajudar em maus momentos. Mas isso não é o determinante, nem nada disso. A ocupação do Haiti é um novo esquema para dobrar a rebelião popular num país onde as classes dominantes não têm possibilidade alguma de ganhar as eleições de forma limpa. Então, é preciso impor, pela força das armas uma estratégia de dominação. Esse é o verdadeiro papel dos ocupantes. E para os que dizem que “melhor essas tropas do que as dos Estados Unidos”, nós dizemos que é justamente o contrário. De outra forma teríamos tido o inimigo de frente, de maneira mais clara. Em vez disso, ver irmãos latino-americanos enviados por governos que teriam que apresentar outro tipo de comportamento diante do drama haitiano, é muito duro. Eu estive em bairros populares muito castigados por estas tropas e escutei o que diz o coração dessa gente. A indignação com que contam como bombardeiam durante a madrugada para capturar supostos bandidos destes bairros. Ou quando soldados entram aos montes e chutam as portas, arrastando para fora aterrorizados moradores. Por isso, não há lugar para mais mentiras: trata-se de uma ocupação clara da República do Haiti, e à medida que esta situação segue, haverá mais resistência.


* Carlos Aznarez, jornalista argentino é director de Resumen Latinoamericano


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